"Cada qual com a sua Bíblia"

Quando eu tinha 13 anos, um antigo vizinho me emprestou uma fanzine gótica, que surgiu nas mãos dele não sei como, porque, definitivamente, essa não é a praia dele. Li muito alegremente, sempre me interessei pelo assunto e por coisas misteriosas e obscuras (ok, a subcultura gótica era algo misterioso pra mim na época). Esse meu amigo, o Cauê, não tinha idéia de como o ato de emprestar uma simples fanzine para alguém pudesse influenciar tão fortemente a vida de uma pessoa.

Acontece que nessa fanzine havia uma pequena biografia e poemas de  Charles Baudelaire, poeta simbolista e, hoje, o meu preferido entre todos os malditos.

Ler Baudelaire foi como renascer com uma nova consciência, tanto estética quanto existencial. Esteticamente, foi ali que senti que aprendi a escrever poesias decentes. Existencialmente, é difícil explicar, mas senti uma identificação pessoal muito forte com o poeta. A sua inadequação, a crueza com que via o mundo, as subjetividades e detalhes que lhe pareciam saltar aos olhos enquanto a maioria das pessoas eram indiferentes... Hoje mudou muita coisa nesse sentido? Acredito que não, a maioria das pessoas parecem estar sedadas, parecem não ver o óbvio, ou assumem, mesmo que de forma inconsciente, o seu cinismo. A indignação de Baudelaire não tinha nada de superficial e ele a deixava transparecer nos seus escritos, mesmo que de forma muito sutil (em Pequenos Poemas em Prosa, num conto intitulado Os olhos dos pobres, Baudelaire fala sobre o descaso dos ricos em relação aos pobres, num conto que aparentemente é de amor).

Não que Baudelaire tenha me livrado dos conflitos existenciais da adolescência, do meu inferno interior ou qualquer coisa do tipo. Vivi muito intensamente todos os meus conflitos, hahaha. Mas é um ponto de apoio ter na escrita um refúgio, transformar todo o tormento em arte e, assim como o nosso caro simbolista, reconhecer um espírito boêmio e aventureiro em nós. Foi isso o que passei a enxergar ao le-lo. Que meus sentimentos são como uma montanha-russa, que a minha sensibilidade excessiva azedaria muitas coisas na  minha vida e que eu posso morrer de spleen, mas que eu tenho uma mão amiga chamada poesia, que me refugia em seus braços de mãe e me dá alguma esperança. Esperança essa de, ao menos, transformar sentimentos negativos em arte, em algo proveitoso, ao menos pra mim.

Eis que hoje, um pouco aflita, quem disse que resolvi rezar? A primeira coisa que pensei foi: qual poema de Baudelaire eu vou ler hoje? Peguei os livros As Flores do Mal e Pequenos Poemas em Prosa e fiquei folheando, buscando alguma "iluminação". Conclusão: cada qual com a sua Bíblia!