quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A menina duas caras


Muitas vezes a gente se depara com comentários, e até mesmo músicas, sobre as tais meninas duas caras: meninas jovens que, segundo os comentários, são santinhas na frente dos pais e “outras coisas” quando os pais não estão vendo. Claro que esses comentários são cheios de escárnio, e endossam a mística da falsidade feminina.

Acho interessante como as pessoas tem um gatilho rápido para julgar gente do sexo feminino.
Vamos lá, pensem comigo: desde criança lidamos com a disparidade de tratamento entre meninas e meninos. Não somente através dos pais, mas na escola, na rua, entre parentes, enfim, na sociedade inteira.

Meninas tem que sentar de pernas fechadas, meninos não tem o corpo controlado, podem até mijar na rua.  Controlar o corpo é uma forma bastante eficiente para se controlar a espontaneidade de uma pessoa.

Enquanto os meninos estão brincando na rua, as meninas são obrigadas a ajudar nas tarefas domésticas, para depois ir brincar.

Os meninos do barulho aprontam altas confusões na rua (a vida imita a Sessão da Tarde ou essa imita a vida? rs). Andam de skate, brincam de lutinha, sobem na árvore, caem, se machucam. As meninas, por serem consideradas mais frágeis, permanecem em uma redoma de proteção. Que perigo há em brincar de boneca e casinha?

Entra também a lógica de proteger a sexualidade da menina. O menino vai ser incentivado a pegar todas, enquanto a menina vai crescer ouvindo, mesmo que em tom de brincadeira, que só vai namorar com 18 anos e olhe lá.

E quando crescer, essa lógica vai ser utilizada, mesmo que sutilmente. Ela vai enfrentar mais barreiras pra levar o namorado em casa (falando de relacionamentos heterossexuais, se eu incluir a homossexualidade aqui o texto vai ficar muito longo), viajar com o namorado etc. 

Aí cresce mais um pouco, os pais incentivam mais o menino a dirigir do que a menina. Além de nos “proteger” do perigo, todos sabem que mulher no volante é um perigo constante, não é mesmo? A lógica estranha é a das seguradoras, mais caras para os homens, que se envolvem mais em acidentes, enfim...

Aí a menina, que não pode ser espontânea e não pode ser ela mesma, pelo menos não na frente dos pais, não deixa de ser um ser humano e ter vontade de fazer coisas. E se puder, vai fazer. Vai demonstrar sua espontaneidade com amigxs, vai fazer coisas absurdas como satisfazer a vontade de beijar o Zezinho (ou a Zezinha) da escola, ou de sentir a liberdade do vento no rosto, andando em uma moto (normalmente na garupa),  sair, rir alto, fumar, beber, dar opiniões, demonstrar  personalidade e, pasme, até mesmo fazer sexo.

Obviamente que não estou falando de todos os lares, da criação de todas e todos, da vivência de todo mundo. Porém, é algo comum.

A lógica da santinha duas caras é a mesma do controle social sobre as mulheres quando se trata da noção de vadia, vagabunda, piriguete (e outros milhares de esteriótipos e xingamentos que só existem contra mulheres):  aquela mulher que não age de acordo com a sua moral pessoal / religiosa, aquela mulher que expressa a liberdade de ser ela mesma, que usa a roupa que quer ou que simplesmente você não vai com a cara e não age de acordo com o que você quer.

Muitas vezes estamos sendo opressores e não percebemos.

Update: uma coisa que eu queria ter frisado (e acabei esquecendo) é que sendo criança ou adolescente, dificilmente é simples tocar o foda-se e enfrentar os pais, já que somos dependentes dos mesmos.

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