segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sobre uma frase de Lúcifer e uma realidade dos infernos

Lembrei de uma frase que Lúcifer diz na HQ Nascida com os mortos, ao ser invocado por uma menininha: "Normalmente, quando as pessoas aprendem malabarismo, elas não começam com serras-elétricas" Pois é. Analogia tosca a parte, desconstruir é um processo tão doloroso pra quem é vítima de alguma opressão que é até compreensível (porém não justificável) que algumas pessoas adotem o discurso do opressor pra não se ver como a parte lesada da história. Ou, mesmo não adotando esse discurso, simplesmente não queira ver, não queira se ferir tanto. E o que isso tem a ver com a frase? Que para quem milita em algum movimento social, apesar de imaginarmos que um sujeito oprimido por alguma injustiça social irá compreender de pronto algumas de nossas constatações, isso nem sempre acontece e ficamos decepcionados. Porém, devemos lembrar que a dor produz um estado de negação, uma forma de auto-defesa.
Então, lembrei dessa frase, que apesar do autor duvidoso da mesma, traz uma certa sabedoria. Utilizando-a num contexto social, completamente diferente da história contada na revista em quadrinhos, a mensagem que fica é que, dependendo do contexto e da pessoa com a qual estamos falando sobre questões sociais, devemos ter um pouco mais de calma. Não falo do agente da opressão, que até em sua ignorância está ferindo os outros, mas sim de pessoas prejudicadas por se enquadrarem em algum grupo dentro da sociedade. Ao demonstrarmos a elas o lado podre, injusto e desumano da sociedade, devemos apresentar soluções, ou apenas conforto, para dar força para essas pessoas lutarem ao nosso lado por um mundo mais justo. Afinal, não queremos pessoas feridas e magoadas por elas serem quem ou o que são. Queremos uma sociedade em que as pessoas não sejam tolhidas de oportunidades, ou odiadas simplesmente por existir, por pertencerem ao grupo x ou y.
Hoje eu cometi esse erro. Dei um soco de realidade a duas pessoas que não militam na causa, sem dó nem piedade, ao falar uma história absurda de injustiça e violência contra negros. Tão deprimente que não quero reproduzi-la aqui. Eu quero sim que as pessoas saiam da ignorância de achar que vivemos numa sociedade igualitária, em que a democracia é para todos, pois isso invisibiliza as lutas sociais por igualdade de fato. Mas a expressão de tristeza que o meu irmão fez quando eu contei essa história... putz, por um momento, eu acreditei que melhor seria se só algumas pessoas, com a sensibilidade já extremamente aguçada, ficassem sofrendo pelos problemas do mundo.
Militantes, não me levem a mal, talvez vocês compreendam que apenas não quero ver as pessoas que eu amo sofrendo, vocês sabem como esse choque é cruel. Acho que vocês já conhecem a expressão de tristeza que meu irmão e meu pai fizeram quando eu mostrei para eles que a realidade é mais crua do que pensamos. Mas, infelizmente, os negros, assim como outros grupos desfavorecidos, sofrem com arbitrariedades todos os dias. Então, por mais que desconstruir seja um processo doloroso (muito, muito doloroso), não enxergar o que se passa (ou enxergar sem contextualizar) é muito mais nocivo para os negros. Enquanto pensamos que vivemos uma democracia racial no Brasil, negros são assassinados aleatoriamente, "por acaso", são suspeitos em potencial, eliminados de forma institucionalizada, por um braço do estado chamado polícia. Há uma prática de extermínio negro no Brasil, e essa prática tem a conivência do poder público, mesmo que cometida por civis comuns. Essa prática de extermínio também se passa pela economia: a feminização da pobreza tem cor, e essa cor é negra. Ambos, mulheres e homens negros estão sendo eliminados por uma cultura higienista e fascista. Eu diria também neoliberal na sua concepção, já que o darwinismo social relega o negro em último plano, mesmo esse tendo saído com mais de 100 anos de atraso na largada, e sem ajuda corporativista nenhuma (isso rende outro post). A limpeza étnica está, literalmente, sendo cometida diante dos nossos olhos.
Portanto, por mais que eu também fique triste quando a ficha de uma pessoa cai, porque eu sei que, com certeza,  vai ser doloroso pra ela, fingir que nada disso está acontecendo perpetua o problema.
Terei que segurar a tristeza pelo olhar perdido do meu irmão e pela indignação do meu pai e convocar todos os negros para a luta.

2 comentários:

Eve Kathleen disse...

Adoro seus textos e o jeito de como você luta por seus e nossos direitos!

Beijo Corinne!

Carina Prates disse...

Obrigada, Eve. Temos que lutar por aquilo que acreditamos e contra aquilo que prejudica as pessoas. ^^
Bjo

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